quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A prisão perpétua e os pedófilos - Gustavo Roberto Carminatti Coelho

A prisão perpétua e os pedófilos

1) Considerações Iniciais
Durante a longa história da humanidade talvez não tenha havido pessoa que nunca ouvira notícia acerca do abuso sexual de crianças. Infelizmente, a pedofilia é um mal instalado na sociedade que sempre esteve presente e continua a existir, e, diante disso, devemos tratar com seriedade o assunto, principalmente do ponto de vista jurídico e social.
Percebendo a existência deste odioso crime entranhado no seio social, o Senado da República, na pessoa do senador Magno Malta, tomou a dianteira no combate à pedofilia através da criação de Comissão Parlamentar de Inquérito para apuração de fatos a ela relacionados.
Até o momento, as investigações efetuadas demonstram basicamente que: a pedofilia ocorre em todos os níveis sociais (relembremos do caso do Procurador-Geral do Estado de Roraima); em boa parte das vezes o agente criminoso se vale da proximidade com a família da vítima; o crime se sustenta mediante ameaças contra a vítima; a pedofilia é geralmente praticada no recôndito dos lares, fazendo com que a prova seja apenas testemunhal; a vítima é marcada perpetuamente pelo crime, verificando-se, muitas vezes, que o pedófilo já fora vitimado quando criança.
Diante da gravidade do assunto e da nocividade social da pedofilia, existe proposta de Emenda Constitucional, de autoria do senador retro, almejando a instituição de prisão perpétua aos condenados por abuso sexual de menores.
Para melhor análise, a situação será abordada primeiramente sob o pálio do Direito Penal, relacionando este ramo jurídico com a pedofilia e seus agentes, para, em seguida, fazermos, em sequência, uma análise da plausibilidade constitucional e social da proposta de Emenda Constitucional que visa penalizar o pedófilo com prisão perpétua. 

2) A pedofilia como conduta criminosa
A princípio, cumpre dizer que atualmente não existe um tipo penal cuja nomenclatura seja pedofilia, incriminando todas as condutas a ela relacionadas, talvez porque os atos que gravitam em torno do abuso propriamente dito (contato físico) sejam os mais diversos.
Temos, na verdade, inúmeros tipos penais espalhados pelo Código Penal e Estatuto da Criança e do Adolescente que englobam atos relacionados à pedofilia, senão vejamos alguns:
Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Estupro de vulnerável
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Corrupção de menores
Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem:
Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente
Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem:
Ainda no Estatuto Penal temos o art. 218-B (Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável).
Por sua vez, no Estatuto da Criança e do Adolescente (lei n.º 8.069/1990) estão positivadas as seguintes condutas:
Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente
Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Art. 241-C. Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual:
Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso:
Observe-se que a toada do trabalho não é pormenorizar as condutas criminosas que envolvam a pedofilia, razão pela qual estamos dando apenas uma visão panorâmica no tocante à penalização de condutas com ela relacionadas.
Caminhando, interessante asseverar que o abuso contra criança e adolescente tem tido especial atenção do legislador quando são criminalizadas condutas de pessoas que sequer tiveram contato com o infante, em outras palavras, tenta-se cortar o mal pela raiz através da prevenção de crimes potenciais. É o que se infere dos artigos 241, 241-A, 241-B e 241-C do ECA.
A produção destas modalidades de tipos penais corresponde à antecipação da tutela penal criticada por Luiz Flávio Gomes, Antonio García-Pablos de Molina e Alice Biachini:
Para nós, o ponto de referência do legislador no momento da atividade criminalizadora é a concepção do delito como lesão a um bem jurídico. O padrão ou standart básico é o delito de lesão (não o de perigo). Qualquer outra construção típica fora dessa estrutura básica já significa antecipação de tutela penal, porque o legislador nem esperar ocorrer a lesão (já pune desde logo o perigo de lesão). No crime de perigo, portanto, o legislador já pune o risco de uma lesão. Não espera a lesão acontecer. Já ameaça com pena desde logo o próprio perigo de lesão.
Evidentemente que a constatação da ocorrência de eventual antecipação de tutela penal passa pelo juízo de qual é o bem jurídico protegido, tudo indicando, numa análise rápida, que nos casos de pedofilia a norma penal visa proteger a integridade física, moral e sexual da vítima, bens jurídicos que são devassados no momento da conduta criminosa.
Se estes, exclusivamente, são os bens jurídicos protegidos, os artigos 241, 241-A, 241-B e 241-C do ECA carregam a antecipação de tutela penal .
Todavia, se acrescentarmos que a imagem , privacidade e intimidade da criança e do adolescente também fazem parte do rol de bens jurídicos protegidos, os artigos 241, 241-A, 241-B e 241-C não trazem consigo a antecipação de tutela penal , e aí a discussão seria em torno da necessidade de normal penal para este fim.
Em que pese à dogmática jurídica, a realidade da pedofilia vem nos mostrando que não se pode esperar o contato entre a vítima e o criminoso sob pena de aceitarmos mais um ser humano com marcas eternas, de modo que o recrudescimento da legislação, ao menos neste tipo de ilícito, tem servido para trazer à tona crimes que antes permaneceriam apenas nos esconderijos existentes na mente da vítima. 

3) Os pedófilos e o Direito Penal
Hodiernamente, o Direito Penal, no tocante a culpabilidade do autor do crime, em linhas simples, traz duas possibilidades: o agente é imputável ou inimputável, e de acordo com o caso terá direito ao regime jurídico adequado (pena para os imputáveis e medidas de segurança para os inimputáveis).
Começando pelos imputáveis, estes são pessoas que gozam de plena capacidade mental (não apresentam doenças/deficiências critério biológico) e possuem total capacidade de entender o caráter ilícito do fato criminoso (critério psicológico).
Para estes é aplicada pena, com todas as garantias penais e processuais decorrentes, dentre elas o sursis , a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, a progressão de regime, a liberdade condicional etc.
Passando aos inimputáveis (sem considerar os menores de 18 anos e os completamente embriagados devido a caso fortuito ou força maior), são estes pessoas que sofrem de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto (critério biológico) e aqueles que no momento do fato eram inteiramente incapazes de entender a ilicitude da conduta típica (critério psicológico).
Diz o mestre Damásio de Jesus: Só é inimputável o sujeito que, em consequência da anomalia mental, não possui capacidade de compreender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com essa compreensão. A doença mental, p. ex., por si só não é causa de inimputabilidade. É preciso que, em decorrência dela, o sujeito não possua capacidade de entendimento ou de autodeterminação.
Em sequência o citado doutrinador diz o que a expressão doença mental significa: psicoses, esquizofrenia, loucura, histeria, paranoia etc; Mais a frente ensina o que é desenvolvimento mental retardado: É o caso dos oligofrênicos (idiotas, imbecis e débeis mentais)...
Expostas as possibilidades, onde enquadrar os pedófilos?
Nos casos de pedofilia que temos tomado conhecimento pela mídia, em que pese sua esmagadora maioria ainda sem condenação passada em julgado, afiguram-se como investigados funcionários públicos, profissionais liberais bem sucedidos, em suma, pessoas de notória higidez mental.
Com isso, ressalvados os casos claros em que o agente criminoso apresenta debilidade mental, os pedófilos se encaixam no perfil das pessoas imputáveis , sujeitos, portanto, a pena e todas as garantias dela originárias.
Fixado este ponto, cabe perquirir se o nosso sistema de penas, voltada para a ressocialização do criminoso é capaz de ressocializar um pedófilo. Para tanto, façamos uma comparação entre os ilícitos. Exemplificando, os crimes de furto, roubo, ameaça, lesão corporal, homicídio, estelionato, peculato, dentre outros mais comuns, verdadeiramente refletem um desvio de caráter que pode ser corrigido pelo sistema de punição visando a ressocialização. Expliquemos.
Muitas vezes estes crimes notadamente os Contra o patrimônio - estão jungidos a uma péssima condição social, o que inclui pobreza e os males dela decorrentes: falta de saúde, alcoolismo, ociosidade, fome, violência, desesperança etc. Pessoas nestas condições não obterão melhora alguma em contato com o mundo carcerário, isso é indiscutível, daí a necessidade de despenalização, pois o problema é social.
Diferente é o caso da pedofilia, porque aqui não se trata de crime justificado pelas mazelas sociais, ao contrário, quando pessoas saudáveis mentalmente, vivendo em boas condições financeiras e até familiares, se propõem a violar uma criança, a questão é de ordem interna, física, genética ou não, indissociável do criminoso a partir do momento em que manifestada.
O desejo pelo infante é algo ainda inexplicado, a ciência não desvendou este mistério, não se sabe a causa nem a possibilidade de recuperação, algo que pode ser comparado à situação dos serial killers , pessoas que sentem desejo inexplicável de matar pessoas que sequer conhecem, geralmente se valendo de métodos cruéis.
As dúvidas e a indignação são tamanhas que o professor Luiz Flávio Gomes recentemente escreveu artigo intitulado Crimes de Luziânia: que passa na cabeça do pedófilo assassino? onde comenta:
Os experts ainda não contam com uma resposta firme e conclusiva sobre esse delicado assunto. Mas há algumas hipóteses (de trabalho) que tentam explicar porque um adulto desenvolve pendores (sexuais) pedófilos: (a) experiências nocivas na adolescência ou na infância (realização de atos sexuais) ou (b) ter sido vítima de abusos sexuais na infância ou adolescência. O monstro de Luziânia admitiu que foi vítima de abuso sexual na adolescência bem como dentro do presídio. Resta ainda investigar se existe algum fato relevante em sua infância.
Para mais a frente dizer:
Criança ou adolescente que foi vítima de abuso sexual tem mais chance de ser o algoz de uma outra criança ou adolescente (no futuro). Isso é certo. Mas seria a pedofilia (e/ou pederastia) um desvio comportamental genético ou adquirido? Não existe consenso sobre isso. A questão continua aberta. Ao que tudo indica não se trataria de um desvio decorrente de fatores genéticos. Ou seja: aparentemente a pederastia é algo adquirido, que não vem com o nosso DNA.
O caso de Luziânia traz pedófilo condenado pelo abuso seguido de morte de duas crianças nos idos de 2005, culminando em condenação de 15 (quinze) anos de prisão, posteriormente reduzida para 10 (dez) anos e 10 (dez) meses em segunda instância, tendo tido, por consequência, direito à progressão para o regime aberto em dezembro de 2009.
No mesmo mês da progressão, aproveitando-se de sua liberdade, o condenado abusou e em seguida assassinou seis jovens rapazes da região de Luziânia, tendo inclusive confessado os crimes.
Caso semelhante aconteceu em Mato Grosso, onde um pedófilo também já condenado, em 1999, por abuso sexual e homicídio de uma criança de oito anos de idade, repetiu os crimes no ano de 2009, tirando mais uma vida inocente, sendo réu confesso já condenado.
O diaadia, infelizmente, vem nos mostrando que a pedofilia está arraigada naquele que a comete, tratando-se de questão fisiológica, hormonal, agindo no cérebro do criminoso, não sendo suficiente a tentativa de ressocializá-lo, não adiantando tentar por o pedófilo na linha!, tendo em conta que seus anseios sexuais prevalecem sobre seus valores morais quando estes existem.
Já pude ver e ouvir dizer que sequestradores, assaltantes e matadores de aluguel se regeneraram quando alguém lhes estendeu a mão oferecendo emprego honesto, ou em outras ocasiões de igual compaixão.
Porém, nunca vi e nem ouvi dizer que fulano era pedófilo e agora não é mais.
Com essas ilações, é patente a defasagem das penas impostas pelo Código Penal assim como o sistema de execução da Lei n.º 7.210/1984 em se tratando de pedofilia. Aqui a ressocialização não é o caminho, por isso, a progressão de regime e a liberdade condicional favoráveis aos pedófilos tem se mostrado como verdadeiras sentenças de morte para algumas crianças e adolescentes.
Certamente munida das conclusões aqui chegadas, fora protocolada PEC cujo intento é impor prisão perpétua aos pedófilos, proposta que enseja um estudo com balizas constitucionais.
4) Da (im) possibilidade jurídica de prisão perpétua aos pedófilos 

Nossa Carta Magna de 1988 é peremptória ao estatuir a inviabilidade de Emenda Constitucional cujo objeto seja a instituição de prisão perpétua àqueles condenados por pedofilia, verbis :
Art. 60. 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
IV - os direitos e garantias individuais.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLVII - não haverá penas:
b) de caráter perpétuo;
Adota-se aqui o entendimento prevalente no Brasil da superioridade do Poder Constituinte Originário sobre o Poder Constituinte de Revisão, cabendo a este respeitar as limitações criadas pelo primeiro no núcleo imutável da Carta Maior, em detrimento do posicionamento que sustenta a idêntica hierarquia entre os Poderes citados.
Isto posto, a única saída para que se atinjam as cláusulas pétreas é a confecção de uma nova Constituição, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes:
Na realidade, a se aceitar o argumento, a geração seguinte não se vê inexoravelmente presa às decisões da geração anterior. Ela as segue enquanto entender que o deve. Nada impede que o povo, fazendo-se ouvir por meio de manifestação do poder constituindo originário, rompa com as limitações impostas pela Constituição em vigor e se dê um outro diploma magno. Enquanto isso não ocorre, o que se pode dizer é que a geração subseqüente à que editou a Constituição com as suas limitações materiais concorda com elas. Anuência que adviria do fato de não exercer o poder constituindo originário.
Todavia, o caso é de Emenda Constitucional e não de manobra popular.
Ao que parece a PEC se vale da interpretação de diversos dispositivos constitucionais para sustentar a possibilidade jurídica da imposição de prisão perpétua aos pedófilos, sendo eles:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade , o direito à vida , à saúde , à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade , ao respeito , à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana ;
A meu ver, a situação é bastante semelhante a dos homossexuais na tentativa de sustentar juridicamente o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo, conforme muitíssimo bem defendido por Maria Berenice Dias, autora que utiliza dos seguintes valores constitucionais: liberdade e igualdade (art. 5º caput e II), direito à sexualidade como decorrência do direito à vida (art. 5º caput ), dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), direito à família e afetividade (art. 226), dentre outros.
No caso da homofobia, ainda que os argumentos sejam fortes, o reconhecimento jurídico vem a passos pequenos diante da expressa previsão do art. 226, da Constituição: Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Perceba-se que a união homoafetiva não é reconhecida expressamente, todavia, não tem explícita proibição constitucional.
No caso da pedofilia, ainda que se criem maravilhosos e mirabolantes argumentos jurídicos em usufruto do art. 227 caput e 4º associado ao art. , III, todos da CF/88, temos vedação expressa à imposição de prisão perpétua como espécie de pena no artigo , XLVII, b. Até aqui não há sustentáculo jurídico para a PEC em estudo.
4.1) Ponderação entre o direito fundamental do criminoso de não ser submetido à prisão perpétua e o direito fundamental à vida, à integridade física e à dignidade das crianças e dos adolescentes
É preciso verificar a possibilidade de mitigação de um direito fundamental previsto no texto constitucional.
A doutrina e a jurisprudência agasalham a limitação dos direitos fundamentais em determinadas situações, mas os limites não são ilimitados, vale dizer os limites possuem limites.
Uma forma de mitigação é representada pela denominada colisão de direitos fundamentais, no caso sendo a) direito de não ser preso perpetuamente e b) direito à vida, à integridade física, à dignidade moral e sexual das possíveis vítimas de pedofilia.
Sem embargo da inexistência de critérios pacificados para a realização da ponderação, Robert Alexy citado por Gilmar Ferreira Mendes a faz em três planos:
No primeiro, há de se definir a intensidade da intervenção. No segundo, trata-se de saber a importância dos fundamentos justificadores da intervenção. No terceiro plano, então se realiza a ponderação em sentido específico e estrito.
O direito de não ser preso perpetuamente, caso se estabelecesse uma exceção para os casos de pedofilia, ainda existiria para todos os outros crimes, de maneira que a intervenção não seria absoluta, resguardando inclusive o núcleo essencial da norma (este só seria atingido se houvesse a supressão total da garantia).
No que concerne aos fundamentos justificadores da intervenção, ao longo deste trabalho já escrevemos quais as consequências da pedofilia para as vítimas e para a sociedade.
Interessante exemplo é citado na obra do Ministro do STF, onde exemplifica:
b) Colisão de direito de defesa de caráter liberal e o direito de proteção: como exemplo, mencione-se a decisão de atirar no seqüestrador para proteger a vida do refém ou da vítima.
Ressalte-se que, nessa hipótese, a colisão entre a vida do seqüestrador e a da vítima revela apenas parte de um problema mais complexo (colisão complexa). A colisão poderia ser resolvida com a aceitação das condições impostas pelo seqüestrador. Não se pode, porém, desconsiderar um terceiro elemento da colisão, que é o dever de proteção em face da comunidade . Daí decorre o dever de atuar para evitar novos atos de violência.
Creio, sinceramente, que sob estas argumentações é preferível um pedófilo já condenado completamente recluso do que nas ruas assombrando nossas crianças. Em termos de ponderação, se a proteção da criança e do adolescente é prioridade absoluta do Estado, deve prevalecer sobre a liberdade de alguém que teve a oportunidade de crescer, se desenvolver, e se mostrou um pedófilo.
Evidentemente, por questão de razoabilidade, quando se diz pedófilo condenado devemos avaliar qual foi sua conduta, qual o tipo penal em que incidiu, não sendo adequado generalizar a reclusão perpétua a todos os tipos penais discriminados no ponto 2.
Portanto, não se entendendo pela constitucionalidade da prisão perpétua mediante ponderação de direitos fundamentais, está claro: a Constituição prefere os pedófilos às crianças e adolescentes, o que certamente não é o intuito do Poder Constituinte Originário.
5) Da necessidade social como forma de justificar a constitucionalidade da prisão perpétua aos condenados por pedofilia 

É cediço que o abuso generalizado de crianças ocorrente em todos os países, regiões e em todas as classes sociais traz consigo devastadoras consequências psicológicas quando não físicas. É muito comum esquecermos diversos eventos de nossa infância, porém, todos aqueles que foram vítimas de pedófilos jamais esquecem o acontecido, não importa o tempo que passe.
Também é evidente a revolta social que a pedofilia proporciona, tanto que os pedófilos são marcados para morrer quando chegam aos presídios, isso quando não são encurralados nas delegacias pela população revoltada pronta para linchá-lo.
Nesse diapasão, pergunta-se: razões sócio-políticas podem enfraquecer uma garantia fundamental fixada na Constituição?
O Supremo Tribunal Federal, certa vez, entendeu que sim na ADIN 3.105-8/DF, vejamos a ementa:
EMENTAS: 1. Inconstitucionalidade. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Ofensa a direito adquirido no ato de aposentadoria. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Emenda Constitucional nº 41/2003 (art. 4º, caput). Regra não retroativa. Incidência sobre fatos geradores ocorridos depois do início de sua vigência. Precedentes da Corte. Inteligência dos arts. , XXXVI, 146, III, 149, 150, I e III, 194, 195, II e , da CF, e art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. No ordenamento jurídico vigente, não há norma, expressa nem sistemática, que atribua à condição jurídico-subjetiva da aposentadoria de servidor público o efeito de lhe gerar direito subjetivo como poder de subtrair ad aeternum a percepção dos respectivos proventos e pensões à incidência de lei tributária que, anterior ou ulterior, os submeta à incidência de contribuição previdencial. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento. 2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária, por força de Emenda Constitucional. Ofensa a outros direitos e garantias individuais. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Regra não retroativa. Instrumento de atuação do Estado na área da previdência social. Obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento. Ação julgada improcedente em relação ao art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. Votos vencidos. Aplicação dos arts. 149, 150, I e III, 194, 195, II e , e 201, caput, da CF. Não é inconstitucional o art. 4º, caput, da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, que instituiu contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e as pensões dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. 3. Inconstitucionalidade. Ação direta. Emenda Constitucional (EC nº 41/2003, art. 4º, únic, I e II). Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Bases de cálculo diferenciadas. Arbitrariedade. Tratamento discriminatório entre servidores e pensionistas da União, de um lado, e servidores e pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de outro. Ofensa ao princípio constitucional da isonomia tributária, que é particularização do princípio fundamental da igualdade. Ação julgada procedente para declarar inconstitucionais as expressões "cinquenta por cento do" e "sessenta por cento do", constante do art. 4º, único, I e II, da EC nº 41/2003. Aplicação dos arts. 145, , e 150, II, cc. art. , , e 60, 4º, IV, da CF, com restabelecimento do caráter geral da regra do art. 40, 18. São inconstitucionais as expressões "cinqüenta por cento do" e "sessenta por cento do", constantes do único, incisos I e II, do art. 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e tal pronúncia restabelece o caráter geral da regra do art. 40, 18, da Constituição da República, com a redação dada por essa mesma Emenda. (ADIN n.º 3.105-8/DF. Tribunal Pleno. Relator (a): Ministra Ellen Gracie. Julgamento em 18/08/2004. Publicação em 18/02/2005).
No caso prevaleceu o interesse patrimonial da Administração Pública e da caótica Previdência Social sobre o direito adquirido dos aposentados e pensionistas de não terem que contribuir através de suas aposentadorias e pensões (ponderação de direitos), em notório desrespeito ao direito adquirido, previsto no mesmo art. 5º que veda a determinação de prisão perpétua como modalidade de pena.
Segue a opinião do constitucionalista Alexandre de Moraes:
Todos os aposentados e pensionistas, portanto, possuem direito adquirido, não só em relação à existência da aposentadoria, como situação jurídica já concretizada, mas também em relação aos valores e regras de atualização dos proventos recebidos, regidos pela constituição e legislações atuais, inatacáveis por meio de proposta de emenda constitucional.
O Ministro Celso de Mello, em seu voto vencido ponderou: Ve-se, pois, que a controvérsia jurídica ora em exame resume-se, em seus aspectos essenciais, dentre os vários fundamentos em apreciação, a um ponto que se revela impregnado de inquestionável relevo, consistente no reconhecimento, ou não, da possibilidade de o Congresso Nacional, agindo em sede de reforma constitucional, promulgar emenda à Carta Política de que resulte ofensa a direitos constitucionalmente assegurados, notadamente quando se tratar de direitos que garantam, às pessoas em geral (e aos servidores públicos em particular), a intangibilidade de situações definitivamente consolidadas, de um lado, e o acesso ao tratamento isonômico em matéria tributária, de outro.
Sem embargo da preocupação levantada pelo eminente ministro, o Supremo, por razões sócio-políticas que envolvem a Previdência do país, fixou entendimento que desrespeita direito fundamental, existindo no texto constitucional, a partir da ADIN acima, uma limitação ao direito adquirido.
Destarte, por muito menos do que o abuso sexual de crianças e adolescentes, nosso Congresso aprovou Emenda Constitucional mitigando direito fundamental, com a posterior ratificação de nossa Corte Constitucional.
Em se passando a entender que a perpetuidade da prisão dos pedófilos seja uma necessidade pública, social e política, é possível que exista justificativa juridicamente aceitável, como fez o STF na ADIN n.º 3.105-8/DF, para apoiar a limitação da cláusula constitucional que veda a criação da pena de prisão perpétua. 

6) Da existência de medida eficaz e menos danosa que a prisão perpétua
No decorrer deste artigo, nos limitamos à análise da viabilidade jurídica, social e política da PEC que propõe prisão perpétua aos pedófilos, razão pela qual não foi ventilada possibilidade diversa desta, menos intervencionista e que possua a mesma eficácia: extirpar do meio social o desejo sexual de adultos com relação às crianças.
Fixado o entendimento de que é possível a imposição de prisão perpétua aos pedófilos, por todos os argumentos despendidos neste trabalho, talvez seja mais adequado utilizá-los para uma alternativa diferente.
Creio, pessoalmente, que a castração química possui o mesmo efeito produzido pela prisão perpétua, e ainda garante a liberdade de ir e vir do condenado por pedofilia sem risco à sociedade.
Da mesma forma que a prisão perpétua, a castração química incide em cláusula pétrea, razão pela qual os argumentos aqui utilizados para autorizar o uso da prisão perpétua se encaixam perfeitamente para viabilizar a castração química, medida menos danosa ao condenado por pedofilia. 

7) Conclusão
Vemos que o Direito Penal pátrio, em seu atual formato, não tem se mostrado suficiente para punir e muito menos ressocializar aqueles condenados por pedofilia. Identicamente não está apto a proteger a sociedade da sagacidade e dos intentos sexuais dos abusadores.
Apesar das incertezas científicas, não é temerário afirmar que a expressão ressocializar pedófilo é formada por duas palavras incompatíveis, sendo necessária a criação de uma sistemática punitiva especial para estes casos.
Dizer que cadeia não é solução para desvios de conduta muitas vezes ocasionados pela sofrível condição social da maioria de nossa população faz sentido nos casos de crimes contra o patrimônio, crime de ameaça, estelionato, lesão corporal e algumas vezes até mesmo nos crimes contra a vida. Nestas situações, acredita-se ou ao menos deveríamos crer - na ressocialização fora do cárcere.
Na hipótese de pedofilia, em que o crime é motivado por desejo sexual inexplicável, de origem desconhecida (genética ou adquirida), onde o cerne da questão é o organismo do indivíduo entenda-se suas características hormonais, cerebrais etc não há que se falar em ressocializar, pois não se trata de um desvio de conduta proveniente de más condições sociais.
A PEC que almeja a penalização dos pedófilos com prisão perpétua, numa análise constitucional perfunctória, não se apresenta viável juridicamente diante do núcleo intangível do art. 60, combinado com o art. , XLVII, b, todos da Carta Política.
Porém, num esforço interpretativo, ponderando os direitos fundamentais postos em mesa, fica clarividente que os interesses das crianças e dos adolescentes devem prevalecer sobre a impossibilidade de instituir-se a pena de prisão perpétua aos pedófilos condenados.
Não sendo o bastante, o clamor social que as constantes notícias de pedofilia causam atrelada à obrigação do Estado em proteger suas crianças, e as maléficas e eternas consequências de um ato de pedofilia, como realidades incontestáveis em nosso tempo, permitem a limitação da garantia constitucional da vedação de pena de prisão perpétua, a fim de adequar as normas constitucionais à realidade do diaadia (vide a citada ADIN 3.105-8/DF).
Contudo, mesmo entendendo pela viabilidade jurídico-social da PEC objeto de estudo, a castração química como substituta da prisão perpétua, ainda que seja um fator de afronta à integridade física do pedófilo, é menos prejudicial na medida em que preserva seu direito de ir e vir. 


8) Bibliografia
DIAS, Maria Berenice. Direito Fundamental à homoafetividade . Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/pt/direito-fundamentalahomoafetividade.cont. Acesso em: 27 de maio de 2010.
GOMES, Luis Flávio. Direito Penal Introdução e princípios fundamentais . Vol. 1, São Paulo - SP: Revista dos Tribunais, 2007.
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Autor: Gustavo Roberto Carminatti Coelho

2 comentários:

com a castracao quimica o ser hediondo estaria livre pra aproveitar a vida enquanto a crianca além do trauma vivera o sentmento de impunidade,a prisao perpétua nunca foi clausula de nada ,a cf no maximo veda emenda em alguns casos ,mais isso nao quer dizer que nao possa ser rompido por reforma,o outra coisa,a necessidade de uma Assembleia total carece de provas.
outro a cf diz "direito individual " o artigo 5 diz direito individual e coletivo e prisao perpétua e penal,pode ficar tranquilo eu tiro isso de letra.

A cf no artigo 60 diz respeito a propostas apartir do congresso,assembleia e governo federal a cf diz que o povo pode deciddir por seus representantes ou de forma direta,a anulacao desse artigo nojento pode ser representado apenas por proposta direta do povo via plebiscito,alem da possibilidade de tornar a definicao de pena maxima artigo da cf,o plebiscito nao encontra limitesna cf e nem poderia ter

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